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Foto do escritorMariana Bressane

A nova Carta Geotécnica de Aptidão à Urbanização 2024


A recente revisão da “Lei de Zoneamento” (nº 16.402/16) ocorrida no início deste ano através da Lei 18.081/24, trouxe dentre as diversas alterações no seu texto a inclusão da menção à “Carta Geotécnica do Município de São Paulo”, em sua versão de 1992 (vigente na ocasião) “ou a que vier a substituí-la”. 


O assunto ganhou destaque, tanto pelos impactos significativos para o uso e ocupação do solo, quanto pela pouca familiaridade com o assunto - que trata de disciplina técnica específica - por parte dos munícipes, proprietários de terrenos, empreendedores e profissionais da construção.


O que é e para que serve


A Carta Geotécnica de Aptidão à Urbanização, mais conhecida apenas como Carta Geotécnica, é um mapeamento das características físicas do solo do município e tem sido utilizado como um dos instrumentos do planejamento urbano. 


De acordo com suas características de relevo, composição material, água subterrânea, entre outras, permite identificar a capacidade ou as limitações do meio físico, os problemas existentes e os potenciais, e assim determinar o grau de “aptidão à urbanização” de uma localidade sob esse aspecto, com objetivo de prevenir riscos na ocupação das áreas da cidade. Orienta também as áreas de defesa civil, meio ambiente e infraestrutura urbana.


Embora o assunto soe como novidade no momento, São Paulo contou com sua primeira Carta Geotécnica em 1985 - desenvolvida pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) - tendo sido atualizada em 1990 e depois em 1992 (permanecendo vigente até agora, por mais de 30 anos), e desde 2012 a Lei Federal 12.608 tornou obrigatória a elaboração de Carta Geotécnica nos municípios que apresentem riscos de deslizamentos, inundações e processos geológicos e hidrológicos correlatos. 



Carta Geotécnica de 1992
Detalhe da legenda (1992)

Histórico


Mas então porque não ouvimos falar tanto dessa Carta antes quanto agora?


Somente no Plano Diretor de 2014 (Lei 16.050/14)  é que vemos a primeira menção a esse assunto, como reflexo da Lei Federal de 2012.


De modo geral, abordou as áreas de risco, introduzindo a necessidade de diretrizes técnicas para novos parcelamentos e a apresentação de estudos geotécnicos para o licenciamento de atividades que demandem a utilização de águas subterrâneas ou interferência com o lençol freático em terrenos localizados em área sujeitas a riscos de colapso estrutural, por exemplo.


Também colocou como diretriz para a revisão da LPUOS - que ocorreria 2 anos depois - o traçado de estratégias de controle em áreas onde ocorram deslizamentos e inundações, e manutenção das ZEPAM existentes (zonas especiais de proteção ambiental) onde houvesse fragilidade geológica. 


Embora tenha determinado também que a Carta Geotécnica deveria ficar disponibilizada para consulta do público em formato aberto (e de fato estava disponível no Geosampa), como se vê sua utilização era limitada a casos específicos e tinha função predominante de orientar os poderes Legislativo e Executivo nas definições de diretrizes e regras de uso e ocupação do solo. 



Atualização e mudanças na legislação 


A recente revisão da “Lei de Zoneamento” (LPUOS) deu maior enfoque ao assunto das áreas de risco geológico e hidrológico e sujeitas a recalques, criando novas regras para licenciamento de obras e restrições ao adensamento nessas áreas.


E com razão, uma vez que o processo de urbanização tende a agravar os fatores de risco: aumenta a impermeabilização do solo, aumentando a probabilidade de inundações em conjunto com fatores decorrentes das mudanças climáticas, pode alterar o nível do lençol freático em obras subterrâneas, pode provocar contaminação do solo ou implicar na utilização de locais com solo ou água contaminadas, pode acelerar o processo de erosão do solo exposto nas movimentações de terra necessárias às obras, bem como aumentar o risco de escorregamentos em situações que utilizem corte e aterro.


Portanto a revisão da LPUOS, além de estender a utilização da Carta Geotécnica para além do planejamento urbano até a escala do planejamento da edificação, evidenciou a necessidade de sua atualização. Afinal, o mapeamento de 1992 já não representava mais a realidade atual da cidade. Além disso, a tecnologia para sua elaboração evoluiu, contando hoje com técnicas de geoprocessamento e ferramentas que permitem maior precisão e detalhamento da informação. 


Assim, no último dia 21 de maio foi publicado o Decreto 63.423/24, que aprovou a versão 2024 da Carta Geotécnica de Aptidão à Urbanização de São Paulo (já disponibilizada no Geosampa, substituindo a de 1992), que já vinha sendo desenvolvida desde o início de 2023. 


Geosampa - Camada Meio Físico / Carta Geotécnica 2024 e Solo Mole

O Decreto traz em seus anexos a nova Carta Geotécnica de Aptidão à Urbanização do Município de São Paulo (CGAU-MSP) em PDF e também um Guia de Utilização para orientar sua leitura e aplicação. A nova carta também se propôs a trazer as informações de forma mais simplificada e compilada, trazendo diferentes camadas de informações analíticas.  Esse era um dos pontos críticos da Carta de 1992, que conjugada com definições muito genéricas na lei, vinha trazendo nesse intervalo de tempo inúmeras dúvidas de aplicação e conclusões alarmantes sobre a aptidão à urbanização de diversas áreas da cidade.


Mas não apenas isso, o Decreto também regulamenta as novas regras da Lei de Zoneamento, trazendo esclarecimentos e condições relevantes, que veremos a seguir. 



As novas regras da Lei de Zoneamento


As mudanças mais impactantes da Lei 18.081/24 em torno desse assunto foram as seguintes:


  1. Inclusão de nova regra para as zonas de Eixo:


“Art. 3º Independente da macroárea, não se aplicam os parâmetros de ZEU, ZEUP, ZEUa e ZEUPa aos imóveis:

V - localizados em Áreas de Risco Hidrológico ou Geológico ou áreas sujeitas a recalque e problemas geotécnicos, conforme mapeamento oficial do Município”


Isso significa que mesmo que um imóvel se encontre em uma destas zonas - e aqui destacamos a ZEU, que possui o maior potencial construtivo da cidade - agora passa a ser necessário confirmar se há incidência destas restrições, causando possível redução do potencial. Essa é uma informação essencial seja na fase de prospecção de terrenos seja para iniciar o desenvolvimento de um projeto de edificação no local. 


Já o novo Decreto trouxe a seguinte condição: poderão ser mantidos os parâmetros de ocupação de ZEU, desde que a realização de obras seja acompanhada da apresentação de parecer técnico com proposta de mitigação ou eliminação da área de risco, e se for o caso complementado por declaração (com ART) de que a adoção de tais medidas não gera impactos ao empreendimento e ao seu entorno. 


Isso não elimina a necessidade de avaliação criteriosa e estudos técnicos, mas elimina parte do risco do desenvolvimento imobiliário nestas áreas. Porém ainda permanecem vagos os procedimentos e circunstâncias de apresentação e avaliação deste parecer técnico e da eventual declaração. 


  1. Alteração no artigo 72, que trata de obras subterrâneas, inclusive subsolos, em terrenos sujeitos a recalques e problemas geotécnicos. 


Foram mantidas as condições técnicas de execução já previstas no artigo 72 original e no Decreto regulamentador 57.521/16, e acrescidas novas condicionantes, a saber:


  • Apresentação de parecer técnico favorável à execução das obras a ser analisado e deliberado por CEUSO


  • Apresentação da sondagem do solo, de levantamento fotográfico do imóvel e entorno, e cópia de contrato de seguro de obra com laudo para os imóveis do entorno que possam vir a ser afetados pelas obras, para emissão do Alvará (para edificação nova ou de reforma com ampliação de área) 


  • Adoção de taxa de permeabilidade mínima de 20% no projeto (independente da taxa de permeabilidade da zona de uso), não podendo ser aplicada a redução prevista pela Quota Ambiental


  • Em lotes com testada superior a 20m, previsão de uma faixa de 3 metros de área ajardinada no recuo frontal sobre solo natural e implantação de fachada ativa em pelo menos 50% de cada testada (sendo que em lotes com mais de uma frente poderão ser adotados tratamentos distintos para cada testada)


  • Implantação dos pavimentos em subsolo a pelo menos 1m acima do nível do lençol freático existente


  • Estas condições podem ser estendidas a terrenos com contaminação das águas subterrâneas, a critério do órgão ambiental municipal


  1. Inclusão dos artigos 72-A e 72-B


Se referem, respectivamente, a terrenos sujeitos a alagamentos - que deverão adotar soluções construtivas de modo a evitar danos à edificação e seus ocupantes - e a interferência no lençol freático causado por novas obras e edificações - ficando proibido o bombeamento permanente de água do lençol freático.


Os novos Art. 72, 72-A e B trazem mais restrições à implantação dos projetos, demandam que as soluções construtivas e avaliação de riscos sejam mais criteriosas e - assim como nos casos em zona de Eixo - antecipam para a fase de prospecção de terrenos e/ou do licenciamento do projeto estudos técnico-construtivos mais aprofundados, bem como custos e procedimentos antes realizados em etapas posteriores. 


O Decreto trouxe ainda a definição de quais são as “áreas de risco hidrológico e geológico” e “áreas sujeitas a recalques e problemas geotécnicos” - embora estejam sujeitas a atualização constante -  dentre outras conceituações de terminologias citadas na LPUOS, numa tentativa de melhorar a compreensão e aplicação do assunto.


Também traz a condição de que o parecer técnico para as áreas de risco hidrológico ou geológico e áreas sujeitas a recalque e problemas geotécnicos, “poderá” ser avaliado por CEUSO “mediante a manifestação do requerente”, o que parece retirar a obrigatoriedade colocada pelo Art.72. 


Camada Áreas com Restrições Geotécnicas (Geosampa)

Como utilizar a Carta Geotécnica de Aptidão à Urbanização 


A nova Carta Geotécnica divide o município em 20 “unidades geotécnicas” (UG). Cada uma delas foi definida de acordo com as características predominantes do meio físico, com os processos geodinâmicos e hidrológicos atuais e/ou prováveis, e com a classificação geral de aptidão geotécnica à urbanização (que pode ser inapta/baixa, média ou alta). O resultado disso é um “zoneamento geotécnico”, que se vê no mapa maior da imagem abaixo.


Visão Geral da CGAU-MSP - Anexo I do Decreto 63.423/24

As informações das UGs se encontram compiladas no quadro-legenda e melhor detalhadas no Guia de Utilização, em seu Apêndice A. 


Quadro Legenda Simplificado - detalhe parcial

O mapeamento principal é acompanhado de 12 mapas complementares, com temas como Declividade, Relevo, Tendência Pluviométrica, Áreas Protegidas e Restrições à Ocupação… As descrições do quadro-legenda decorrem da análise e interpretação dos dados contidos nestes chamados “mapas temáticos intermediários”. Eles estão apresentados em menor escala junto ao mapa principal no Anexo I e reapresentados e explicados no Guia de Utilização.


O Guia de Utilização apresenta toda a metodologia do desenvolvimento da CGAU e informações técnicas adicionais, como orientações sobre os aspectos favoráveis e desfavoráveis à ocupação do solo (que influenciam a classificação de baixa à alta aptidão), e distinção de tratamento entre áreas ocupadas e áreas não ocupadas ou com mudança do tipo de ocupação, entre outras.


Destaca-se em seu conteúdo o Quadro 2 e a Figura 15 - Carta Síntese de Aptidão Geotécnica, que resumem os graus de aptidão de forma visual, evidenciando os locais com maior restrição. Vemos ali que a maior parte do território do município possui média aptidão. 



Fonte: Guia de Utilização - Dec. 63.423/24

A leitura conjunta do Guia de Utilização é essencial, não apenas por apresentar informações complementares à Carta Geotécnica, como pelas ressalvas e limitações indicadas. 

Ele deixa claro que o conteúdo da Carta não substitui estudos específicos e investigações em escala local para fins de projetos de engenharia, a cargo do empreendedor. Não apenas pelas características do solo, como também pela interação com processos de urbanização e edificações no entorno imediato. Além disso, o mapeamento foi realizado em escala macro, desenvolvido em 1:10.000, podendo inclusive causar imprecisão de delimitação quando o local se encontra próximo à “divisas” entre diferentes UGs. Ainda, a análise geológica foi feita em camada mais superficiais do solo/subsolo, não contemplando obras subterrâneas de maior profundidade, que podem demandar estudos e detalhamentos.


Por fim, os dados lançados na CGAU-MSP, embora bastante completos e atuais, não esgotam as possibilidades de que novos registros e dados venham a ser inputados, para sua constante atualização e aprimoramento. 


No caso da Carta Síntese, APPs e outras áreas com menor expressão territorial não estão representadas “em razão da escala de representação, devendo contudo ser mapeadas e consideradas em eventuais projetos de ocupação”, inclusive porque estão atreladas à legislação urbanística e ambiental.  Enfim, a CGAU-MSP tem caráter orientativo.  


Talvez o maior destaque do seu conteúdo, diante das novas exigências trazidas pela LPUOS apresentadas acima, seja o “Roteiro para avaliação locacional prévia” contido no Apêndice B do Guia de Utilização, que através de um passo-a-passo de atividades, auxiliará na identificação das situações em que se deve buscar o detalhamento investigativo, a ser utilizado ainda nas fases planejamento e licenciamento urbanístico-ambiental de novos empreendimentos.


Basicamente parte-se da identificação do local de interesse na Carta Geotécnica e na Carta Síntese e da identificação da respectiva UG e suas características. Para esta análise preliminar, podem ser utilizados dados eventualmente disponíveis de outras fontes de consulta. 


Em seguida, a depender das conclusões preliminares, pode ser necessário realizar vistoria de campo para identificar condições específicas e informações complementares, bem como ensaios técnicos de campo e laboratório. 


Ao final, a análise integrada de todos os dados levantados levará à conclusão da viabilidade ou não do empreendimento, ou então levará à resultados inconclusivos que demandem maiores estudos. Mesmo no caso da viabilidade, pode haver necessidade de recomendações construtivas específicas e/ou necessidade de monitoramentos futuros. 


Esses resultados devem ser apresentados em formato de relatório, parecer ou laudo, demonstrando também os objetivos, métodos, referências e discussões pertinentes, acompanhado de imagens cartográficas e fotos.


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Além do formato PDF disponível como anexo do Decreto, a Carta Geotécnica está disponibilizada em formatos digitais georreferenciados no Geosampa (botão "Download de Arquivos"), como em shapefile, o mais recomendado para utilização.


Print de tela Geosampa

Conclusão


Embora a nova Carta Geotécnica se apresente com o objetivo de poder ser usada não apenas por técnicos (da PMSP e de empresas privadas em geral) mas também pelo público em geral, o assunto ainda demanda conhecimentos técnicos específicos e análise por profissionais especializados para se chegar às conclusões finais a que se presta, mesmo em se tratando do uso por “técnicos” do mercado de construção civil, licenciamento e planejamento urbano.


O mesmo se pode dizer sobre o “Roteiro para avaliação locacional prévia”. Embora seja muito didático, não se pode esperar soluções e respostas prontas. Novos levantamentos, laudos, sondagens, projetos e afins deverão ser contratados e realizados.


Isso significa que nem do lado dos projetistas e empreendedores, nem do lado dos analistas da PMSP, o processo se tornou simples ou se encerra com as informações disponibilizadas pela nova Carta Geotécnica de São Paulo. Pelo contrário, é uma discussão multidisciplinar que se abre a partir de agora e que prevê atualizações contínuas. E que, a meu ver, ainda carece de mais regulamentação, no mínimo sobre os procedimentos de licenciamento em relação às novas situações previstas na revisão da LPUOS descritas anteriormente aqui, especialmente a questão da confirmação dos parâmetros a serem utilizados em áreas em ZEU, que precisa poder ser feita em fase de aquisição de imóvel e não somente no licenciamento do projeto de construção.


Ainda assim, não podemos deixar de reconhecer a evolução qualitativa da CGAU-MSP em relação à anterior. 

 

Considero um dos pontos de maior destaque dentre os objetivos e propostas trazidas, especialmente do ponto de vista das novas exigências e condições da LPUOS, a ideia da organização de um banco de dados pela PMSP com o acervo de sondagens e ensaios geotécnicos realizados no território municipal, para o médio prazo. 


A proposta é de que “com base em números representativos de sondagens e ensaios geotécnicos realizados para cada UG, pode-se reunir um conjunto de dados e informações auxiliares ao pré-dimensionamento de projetos de engenharia”, ao menos a título de estimativa de parâmetros para suprir a escala local que a Carta não atende, “com base em dados e informações de projetos básicos e/ou executivos submetidos à análise das equipes técnicas municipais”.



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